ADLAI NOS EUA
Depois de haver percorrido toda a América do Sul em viagens anteriores de moto, não havia outra saída por via terrestre para desbravar senão as Américas Central e do Norte. Roteiro definido, a maior dificuldade encontrada era a travessia da Colômbia para o Panamá, trecho de floresta onde não há estradas.
Depois de pesquisar através da Internet e ler reportagens de viagens de outros aventureiros, concluí que seria possível essa travessia entre estes dois países somente por meio de barco ou avião.
Optei pelo barco para manter-me fiel ao estilo aventureiro da viagem, em que ficaria mais em contato com as pessoas.
O destino final escolhido foi determinado por alguns fatores: tempo (dois períodos de férias) e dinheiro disponíveis, estação climática favorável (fora da temporada de chuvas) e o "peso" dos nomes: Los Angeles e San Francisco, na Califórnia / EUA.
Para tal aventura, não encontrei nenhum companheiro que tivesse as mesmas disponibilidades que eu tinha, por isso fui sozinho.
O trajeto escolhido foi o mais curto, atravessando o interior do Peru através da Rodovia Interoceânica, que está em processo de pavimentação, com cerca de 600 km ainda sem asfalto.
Com qual moto eu vou? Pesquisei as motos em relação à maneabilidade, ao preço e à capacidade de suportar o trajeto escolhido.
Optei por preparar a minha Honda XR250 Tornado, ano 2003, que comprei zero quilômetro e sobre a qual tenho bastante conhecimento com relação à manutenção e capacidade da moto.
A preparação
Documentos
O primeiro item a ser providenciado é o passaporte, dentro da validade. Depois, os vistos do México e dos Estados Unidos, sendo que o dos EUA é muito demorado desde o início da solicitação até a conclusão do processo, por volta de três meses. Além disso, Certificado Internacional de Vacinação contra febre amarela e Permissão Internacional Para Dirigir, essa emitida pelo Detran de Goiás.
Bagagem
O mínimo necessário: peças básicas e ferramentas para que, no caso de um imprevisto mecânico simples, a moto não pare e tenha que ser rebocada; roupas e artigos de higiene pessoal para mim, só o estritamente necessário; máquina fotográfica; celular (só no Brasil) e mapas de todos os países por onde passei.
A viagem
Saí de Goiânia no dia 04 de outubro de 2008, com o primeiro pernoite em Cuiabá. Para tal, percorri mais de 900 km. Nos dias seguintes pernoitei nas cidades de Vilhena e Porto Velho, em Rondônia, e Rio Branco e Assis Brasil, no Acre, esta última já na fronteira com o Peru gastando um dia de viagem entre cada cidade.
Demorei mais quatro dias para chegar a Nazca, ainda no Peru, percorrendo a Rodovia Interoceânica, passando por trechos com bastantes pedras, riachos sem pontes e altitudes acima de 4.000m.
Depois, seguindo em sentido norte, passei por Lima e Pacasmayo, esta uma cidade peruana onde encontrei vários brasileiros praticando surf, que me disseram ser o melhor lugar de toda a América para tal prática. Adiante, passei por Huaquillas, já no Equador, e após cinco dias cheguei em Cartagena, depois de visitar Quito, no Equador, e Cali e Medellín, na Colômbia.
Em Cartagena, no litoral colombiano do Oceano Atlântico, fui no clube náutico em busca de um veleiro para a travessia para Porto Belo, no Panamá. Encontrei um que tinha como capitão um brasileiro que morava na Colômbia. Escolhi este veleiro, com um salgado custo total de US$ 750,00, sendo US$ 350,00 referentes à minha travessia e US$ 400,00 para o transporte da moto. A travessia demorou 6 dias e 7 noites, passando pelo arquipélago de San Blas, na costa caribenha do Panamá. No veleiro viajamos eu, o capitão brasileiro, um espanhol, um americano, um inglês, dois australianos e um casal de suecos, todos mochileiros como eu, além da minha moto.
Neste percurso vale destacar a beleza da região do Caribe, com paisagens paradisíacas que estamos acostumados a ver apenas em filmes e cartões postais.
Na América Central, passei por todas as capitais dos países: Cidade do Panamá (Panamá), San José (Costa Rica), Manágua (Nicarágua), Tegucigalpa (Honduras), San Salvador (El Salvador), Cidade da Guatemala (Guatemala) e Cidade do México (México), com exceção de Belmopan, capital de Belize. Neste trajeto as passagens pelas fronteiras exigem muita paciência devido a burocracia dos trâmites aduaneiros, mas nada que não se resolva depois de um (bom) tempo.
No Panamá, a principal atração é o Canal do Panamá, onde visitei as imensas Eclusas Miraflores. Na cidade do México visitei o centro turístico histórico e saboreei a melhor comida do percurso.
Da Cidade do México, seguindo em sentido noroeste durante três dias, cheguei à fronteira com os Estados Unidos, na cidade de Nogales, onde tive alguma preocupação com relação aos trâmites burocráticos e à dificuldade em falar o idioma inglês. Mas, para minha surpresa, foi o país mais fácil, tranqüilo e rápido para a entrada, pois as autoridades americanas falavam o espanhol, facilitando, assim, a minha comunicação. Dando continuidade à viagem, segui para Phoenix, no Arizona, e depois Los Angeles, já na Califórnia, onde fiquei por quatro dias. Visitei Hollywood, a praia de Venice, sempre na minha Tornado.
Na seqüência fui para San Francisco, também na Califórnia, ficando lá por seis dias. Visitei a ponte Golden Gate, a região turística dos piers, onde foi possível avistar a ilha de Alcatraz, e também o "downtown" (centro da cidade), tudo de Tornado.
A esta altura estava já no fim da minha viagem, pois não seria possível voltar rodando, como era a idéia inicial, devido à falta de tempo (fim das férias). Com a ajuda de dois amigos de Goiânia que moram em San Francisco, estou tentando conseguir um meio de transporte para a Tornado, pois eu voltei de avião. Até o momento, um mês depois do meu retorno ao Brasil, ainda não consegui trazer a moto de volta devido à burocracia brasileira.
Deixei a moto em um galpão de um dos amigos em San Francisco, até encontrar a solução para o transporte.
Voltei de avião até Guarulhos, fiquei um dia na cidade de São Paulo e acabei de chegar em Goiânia de ônibus.
O dinheiro
Levei dólares e cartões de crédito internacionais, estes últimos muito úteis. Em cada fronteira, estimava uma determinada quantia em dólares que iria gastar no país e 'cambiava' para a moeda local. No final das contas, gastei em torno de R$ 18.000,00, sendo R$ 14.000,00 relativos à viagem propriamente dita e o restante em compras pessoais.
Dos gastos, me vem à cabeça o alto valor dos pedágios cobrados nas autopistas do México, entre 5 e 15 dólares para moto a cada 100 km, com estradas em estado apenas regular.
A segurança
Todos assistem bastante à televisão e ficam com uma idéia distorcida da realidade que vivenciei. Violência há em todo lugar, e no Brasil ela não é menor nem maior do que nos países que cruzei. Incluindo a Colômbia, cuja capital, Bogotá, é exemplo para toda a América Latina em políticas de combate à violência urbana.
A moto
Adquirida zero quilômetro em 2003, já conheço a moto em todos os seus detalhes, pois eu mesmo é que faço toda a manutenção necessária. No momento da partida, estava com o motor todo revisado, além de pneus, câmaras, relação secundária, lâmpadas, óleo e filtros novos, sendo todos os serviços executados por mim.
Ainda no Brasil, perdi o protetor da curva do escapamento, devido à vibração. No Peru, por causa da altitude elevada, o funcionamento do motor ficava irregular. Perdi também, por três vezes, a trava da emenda da corrente, porém a corrente não caiu, pois uso uma emenda que é montada sob pressão, e a trava é colocada apenas por questão de segurança. Na Cidade do México troquei o óleo do motor, e coloquei o Mobil 1 5w50 API SM, pois não achei um específico para moto. A partir de então, a embreagem começou a deslizar sempre que eu exigia o máximo nas acelerações, sem maiores conseqüências.
O tempo
Cinqüenta e quatro dias desde a partida até a chegada.
Os países
Doze países: Brasil, Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador, Guatemala, México e EUA.
A quilometragem
18.300 km rodados.
As cidades em que dormi
Cuiabá (MT), Vilhena, Porto Velho (RO), Rio Branco, Assis Brasil (AC), Mazuco, Marcapata, Abancay, Nasça, Lima, Pacasmayo (Peru), Huaquillas, Quito (Equador), Pasto, Caucásia, Cartagena (Colômbia), Cidade do Panamá, Ciudad Neily (Panamá), San Jose (Costa Rica), Manágua (Nicarágua), Tegucigalpa (Honduras), Ciudad de Guatemala, Arriaga (Guatemala), Córdoba, Cidade do México, Tepic, Los Mochis, Nogales (México), Phoenix, Los Angeles, San Francisco (EUA), São Paulo (SP) e Goiânia (GO).
Conclusão
Para resumir tudo em uma palavra: simplicidade! É uma grande aliada nestas aventuras. Simplicidade, eu me refiro, em todos os sentidos. Por exemplo, em todos os tópicos descritos acima, idéia, preparação, viagem, moto, tendo a simplicidade em mente como ponto de partida, surgirão menos problemas para serem resolvidos.
Saber falar os idiomas inglês e espanhol. É fundamental a fluência nestes idiomas para se ter uma melhor interação com as pessoas, pois muitas vezes elas queriam conversar, perguntar alguma coisa, e eu não conseguia transmitir as idéias, pois não sabia falar o inglês. O diálogo com os moradores de cada país permite esta troca de idéias e engrandece sobremaneira a viagem.
Escutar opiniões sobre a viagem antes da partida. Esta é uma situação engraçada, pois grande parte das pessoas tem uma opinião formada a respeito de tudo (é loucura, é perigoso, vão te roubar tudo, até a moto, vão te seqüestrar, você vai morrer e por aí vai), mas quando, só no pensamento, eu "puxava o currículo" destas pessoas, podia concluir que essas suas opiniões eram baseadas apenas no que assistiam na tv, e não em viagens ou aventuras que já haviam realizado. Uma pergunta básica que eu fazia nestas horas: quais países você já visitou? A resposta era quase sempre a mesma, quando muito haviam ido ao Paraguai, em Ciudad Del Este. A partir daí, concluí que se eu quero fazer algo, eu tenho de escutar opiniões de quem já fez coisas parecidas ou acreditar na minha opinião. Se eu desse ouvidos às conversas dos outros, eu nunca teria nem comprado moto.
Tchau!
Até a próxima viagem.
Frajola.
Todas as fotos estão publicadas A Q U I